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Sobre o II Congresso da OJM: Um olhar ao manifesto do novo Secretário-Geral

Teve lugar, entre 20-22 de Maio corrente, o II Congresso da Organização da Juventude Moçambicana (OJM), instituição que aglutina jovens do partido Frelimo[1]. Pelo sim ou pelo não, parece-nos evidente que seja incontornável não falar daquela organização, visto que pertence ao partido que governa Moçambique. Porém, mais do que a dimensão umbílico-histórica, pelo seu acrónimo, a OJM coloca-se enquanto entidade que, hipoteticamente, deve ser entendida como a primeira força associativa e juvenil no País.

Em relação ao respectivo Congresso, vários episódios podem ser destacados como centrais, entre discursos relativos ao limite de idade que deve prevalecer no seio daquela organização juvenil, principalmente no que à eleição do seu Secretário-Geral (SG) diz respeito, ou, ainda, em volta de um fictício chamamento para que o actual Presidente da Frelimo, Filipe Nyusi, se apresentasse para um terceiro mandato. Ora, se só estes dois episódios poderiam, por demais, completar inúmeras páginas da nossa opinião, no entanto, desta vez, propomo-nos a analisar aquele que foi o manifesto que ditou a eleição do actual Secretário-Geral da OJM, Silva Livone, recordando que, num passado recente, apresentamos um exercício analítico que antecedia o Congresso (Tsandzana, 2022).

Ademais, a nossa análise é meramente textual, não sendo, por isso, nenhuma forma de guia que deva ser considerada pelo candidato eleito. Aliás, em Setembro de 2019, durante as Eleições Gerais daquele ano, realizámos uma tarefa igual, que buscou ter em conta os partidos Frelimo, Renamo[2] e MDM[3], com vista a entender o que estes (partidos) pensavam nos seus manifestos em relação aos jovens. Neste âmbito, o exercício que propomos hoje é revestido de alguma importância, na medida em que entendemos que a única forma de proceder ao escrutínio das ideias políticas é com base no que é escrito, elemento central para que se avalie num tempo curto, médio e longo, as acções dos políticos no País.

Antes da análise propriamente dita, importa destacar que temos consciência de que o manifesto não é o único e primeiro instrumento que prevalece na escolha política, concorrendo demais factores que se afiguram centrais no ‘campo político’ (Bourdieu, 2000), sejam eles directos ou não. Além disso, não fazendo parte desta organização, assumimos que a nossa análise pode estar enviesada devido à exiguidade de informação do que realmente sucedeu nos debates que corporizaram o II Congresso da OJM. Dito de outro modo, estamos conscientes das limitações que materializam esta opinião. Aliado a isso, está o facto de existir um programa específico que fora aprovado em sede do Congresso, bem como o programa do mandato, documentos que, no entanto, não tivemos acesso para cruzar com a presente análise.

Teoricamente, a questão da ligação entre as promessas colocadas à votação e as medidas que um líder consegue implementar, quando chega ao poder, está no cerne do princípio normativo do “mandato representativo” nos sistemas democráticos: a legitimidade das democracias basear-se-ia na competição entre várias alternativas políticas, agregadas e levadas a cabo pelos partidos políticos e seus candidatos, que se espera que as implementem, se obtiverem o apoio da maioria dos eleitores e formarem, por via disso, um governo (Dahl, 1971).

“Por uma juventude engajada rumo ao desenvolvimento” – É com este slogan que foi arquitectado o manifesto de Silva Livone (actual Secretário-Geral da OJM), perfazendo um total de nove (9) páginas. Destas, a palavra ‘juventude’ aparece escrita dezoito (18) vezes (incluído no slogan, que se repete em cada página). Tal é feito para intercalar as diferentes secções que constituem o respectivo manifesto, o que comporta seis (6) prioridades: (i) defesa da pátria; (ii) trabalho e emprego; (iii) desenvolvimento institucional; (iv) mobilização; (v) empreendedorismo juvenil; e (vi) habitação. Para implementar as prioridades supracitadas, Livone irá concentrar-se nas seguintes áreas: (i) educação e formação profissional; (ii) saúde; (iii) desporto, cultura e turismo; (iv) financiamento de projectos e iniciativa da juventude; e (v) cooperação.

Numa primeira análise, se entendemos prioridades como acções-chave para a realização de uma acção política, do destacado acima, prevalece alguma ambiguidade entre o que é uma ‘prioridade’ e ‘actividade’. Por exemplo, tomemos em consideração a prioridade sobre a “defesa da pátria”. Nesta, Livone refere que irá “engajar jovens na prevenção (da pandemia) do coronavírus”. Ora, se podemos presumir que estamos diante de uma pandemia que, um dia, se espera passageira, não teria sido justo colocar esta acção na componente das actividades inerentes ao tópico da saúde, em vez de a situar como prioridade de defesa da pátria? Aliás, em que medida o coronavírus é, per si, uma ameaça para a pátria e/ou soberania nacional?

Ainda em relação à defesa da pátria, Livone refere que irá (i) “dissuadir comportamentos que geram insegurança no povo Moçambicano”; e (ii) “engajar jovens na luta contra a insurgência e o terrorismo”. Analisadas sob esta perspectiva, não nos parece que exista tamanha diferença entre as duas medidas, pelo que entendemos tratar-se de uma retórica de linguagem que pouco diz, de facto, sobre o que o candidato pretendia transmitir. Ou melhor, não fica claro, pelo menos no texto, como se pode “dissuadir um comportamento”, se tivermos em conta que estamos a lidar com o íntimo do indivíduo, o qual, pela sua essência, difere de demais indivíduos – portanto, não há comportamentos colectivos que devam ser tratados da mesma forma.

Por conseguinte, interessante foi notar que na prioridade atinente ao “trabalho e emprego”, Livone recupera o discurso recorrente de todos os partidos políticos, que procuram, sem cessar, incutir a ideia segundo a qual o problema dos jovens, em Moçambique, é o desemprego. No entanto, se assumimos que esta pode ser uma colocação pertinente, não nos parece estratégico insistir nesta equação, dado que os jovens não podem ser vistos como homogéneos nas suas necessidades. Ou seja, há necessidade de realizar promessas que sejam direccionadas para um extracto juvenil localizado (geográfica e socialmente), pois só assim será possível resolver os problemas de acordo com as necessidades previamente identificadas.

A título exemplificativo, na página 3, o candidato (eleito) refere que “(…) o meu compromisso, neste novo ciclo de gestão, é com a unidade, (o) progresso, desenvolvimento económico, financeiro e social sustentável da organização…”. Ora, se tivermos em conta o discurso de abertura do Presidente do partido Frelimo, Filipe Nyusi, em torno de a necessidade desta organização buscar o seu próprio sustento, parece-nos que Livone tenta aqui responder, com alguma mestria, ao desafio levantado pelo seu Presidente do partido. Contudo, o que falta, na vontade de Livone, é a explicação detalhada mediante a qual como tal desiderato será alcançado.

De igual modo, em relação às outras prioridades, como são os casos de “criar uma política de empreendedorismo juvenil”, não fica claro o que se pretende, de facto, na medida em que a criação de tais políticas são da alçada de uma entidade própria, não se sabendo, neste contexto, qual seja o âmbito da política sobre a qual Livone se refere.

Ademais, no que diz respeito à componente da “cooperação”, há dois (2) elementos que merecem o nosso destaque: (i) “fortificar os laços de amizade com as ligas juvenis de outros partidos libertadores”; e (ii) “apoiar a reabilitação, promoção das praças da Juventude em todo País”. Primeiro, ao pretender fortificar a amizade com as ligas juvenis de outros partidos libertadores (africanos), a OJM coloca-se o desafio de cooperar, pelo menos em alguns países da Região Austral, com ligas juvenis e partidárias de formações políticas que já não estão no poder, como são os casos da Zâmbia. De igual forma, ao pretender-se apoiar a reabilitação das praças juvenis, entendemos tratar-se de um ‘desafio milenar’, se recordarmos que nem mesmo a edilidade da capital moçambicana (Conselho Municipal de Maputo) consegue responder, de forma concreta e prática, face ao que a Praça da Juventude se tornou.

Outro elemento que nos chama à atenção, neste manifesto, é a ausência de elementos que permitam um real acompanhamento numérico das acções que serão desenvolvidas pelo SG eleito. Se entendemos que qualquer manifesto deve passar pelo crivo dos números (por exemplo, quantas promessas foram realizadas), entende-se que estamos diante de promessas que podem socorrer-se do vazio numérico para realizar acções que em nada foram colocadas ao dispor dos eleitores. Além disso, sublinhe-se que, como parte de tácticas partidárias, os números são um recurso, entre outros, no repertório de acção do profissional político.

Para o efeito, o cálculo é realizado nas equipas de campanha que decidem utilizar esta arma de números contra o seu oponente. Assim, os números são utilizados como parte de uma estratégia para se qualificar e desqualificar o outro: o político utiliza os números para mostrar a superioridade da sua candidatura (mais ‘credível’, mais ‘realista’) em comparação com a dos outros candidatos, cujo inevitável desperdício de fundos públicos a que a implementação do seu programa levaria é também denunciado (Lemoine, 2008). Em outras palavras, uma promessa sem quantificação não pode ser tomada como válida.

Ainda em relação às ausências, chamou-nos à atenção a não menção de qualquer que seja a linha do manifesto em torno das novas tecnologias de comunicação digital. Ora, se entendemos que, nos dias que correm, é quase impensável se fazer política juvenil sem as referidas redes sociais da Internet, usadas na sua maioria por uma franja da população considerada jovem, que é o grupo que compõe ou deveria compor esta organização, bem como o seu público-alvo, parece-nos que este manifesto perdeu uma oportunidade ímpar de se posicionar perante este fenómeno de “participação política 2.0” (Tsandzana, 2021).

Mais ainda, entendemos que este Congresso abriu espaço para o alargar de um debate que se espera longo, com o aproximar do Congresso-mãe do partido Frelimo, que terá lugar em Setembro próximo. Por fim, importa destacar que o exercício analítico que fizemos não se afigura cabal, muito menos consensual, pois, para que assim fosse, seria necessário ter em nossa posse o programa do mandato do candidato (eleito), mediante o qual, ao que entendemos, guiará as acções futuras.

Referências

Bourdieu, P. (2000). Propos sur le champ politique. Lyon. Presses Universitaires de Lyon – PUL.

Dahl, R. A. (1971). Polyarchy: Participation and Opposition, New Haven (Conn.), Yale University Press.

Lemoine, B. (2008). Chiffrer les programmes politiques lors de la campagne présidentielle 2007: Heurs et malheurs d’un instrument. Revue française de science politique, 58, pp. 403-431.

Tsandzana, D. (2021). Jovens e ‘participação política 2.0’ em Moçambique: propostas para discussão. Diálogos de Governação. 4, pp. 1-10.

Tsandzana, D. (2022). Sobre juventude(s) e política em Moçambique: propostas para um debate inacabado. Diálogos de Governação. 7, pp. 1-12.

[1] Frente de Libertação de Moçambique.

[2] Resistência Nacional Moçambicana.

[3] Movimento Democrático de Moçambique.

*Descarregar a opinião AQUI [PDF].