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Retalhos de uma opinião controversa (e inacabada)…

Face ao debate que floresce como resultado de um vídeo condenável em títulos vários, parece ser óbvio que a defesa da vida deve prevalecer acima de qualquer circunstância.
 
Contudo, estamos perante uma discussão que ultrapassa a geografia chamada Moçambique. Aliás, a relação entre Direitos Humanos e conflitos armados é dos temas mais controversos e de alguma forma de difícil compreensão em vários domínios académicos.
 
Existe um artigo intitulado ‘’Direitos Humanos & conflitos armados’’ (tradução literal), de Jean-Baptiste Jeangène Vilmer, escrito em 2015. No mesmo, o autor refere que a associação entre Direitos Humanos e conflitos armados parece algo oposto, pois a guerra é de facto um lugar por excelência para a violação dos Direitos Humanos, uma relação que parece resumir-se num antagonismo primário — um seria a negação do outro.
 
Prossegue e diz que a guerra viola Direitos Humanos, e por sua vez tais direitos só podem ser exercidos num ambiente de paz, daí a ausência da guerra como condição primária dessa possibilidade. O postulado anterior leva-nos para Charles Tilly (1975) e a sua teoria belicista da formação do Estado, onde afirma que a guerra, em potência (sua preparação) ou em acção (sua conduta), é uma actividade geradora e organizadora do Estado.
 
De volta para Vilmer (2015), podemos verificar que alguns conflitos são justificados pela protecção dos direitos humanos ou em virtude de um “direito da humanidade”. Nessa equação, existe aquilo o que podemos designar de trilogia da ética da guerra (Kant, 1994): guerra em nome dos direitos humanos (jus ad bellum), direitos humanos na guerra (jus in bello) e direitos humanos após a guerra (jus post bellum).
 
Como iniciou o presente comentário, pensamos que não existem dúvidas que a defesa e preservação da vida deve se sobrepor perante qualquer justificativa para cometimento de violência, mas aí surge uma questão central: qual é a linguagem da guerra no campo dos Direitos Humanos?
 
Com ou sem resposta, parece-nos colher consenso a existência de um ente que enquanto procura restaurar a segurança e estabilidade territoriais, tem obrigação de proteger e defender a vida.
 
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Algumas referências:
 
J. Vilmer, J.-B, Droits humains et conflits armés, Philosophiques, 42 (2), 2015, p. 311–333.
 
I. Kant, Doctrine du droit, II, §53, in Métaphysique des mœurs II, Paris, GF Flammarion, 1994, p. 167-168.
 
C. Tilly, The Formation of National States in Western Europe, Princeton, Princeton University Press, 1975, p. 42.