No dia 10 de Outubro tiveram lugar as V eleições autárquicas, num ambiente em que, por hipótese, podemos afirmar que pouca imaginação colectiva consideraria que aquele seria um dos escrutínios com maior afluência, sobretudo numa época em que as chamadas democracias eleitoralistas (?) estão em crise, abrindo espaço para ”novas formas” de participação política que vão para além do voto.
Embora se aguardem por dados oficiais do processo no seu todo, parece ser de consenso o discurso segundo o qual estas eleições vão merecer uma atenção especial para análises futuras em vários campos do saber, quebrando desta forma as velhas e conhecidas análises que merecerão remendo novo.
Como não somos feitos de consensos enquanto sociedade, notamos (com espanto ou não) que se para uns o processo foi enevoado, existem aqueles que prefiram dar ‘hosanas’ para os mesmos actores que são vistos como a mácula deste processo. Porém, não é destes que quero falar neste comentário, os relatórios de observação eleitoral já o fizeram exaustivamente.
Sobre as eleições propriamente ditas, queria destacar dois campos de análise, o primeiro sobre o poder dos eleitos e segundo sobre a legitimidade destes:
1. Num olhar aos resultados até aqui presentes, podemos destacar que em termos numéricos temos um partido que saiu-se ganhador do processo – nesse caso concreto a Frelimo, em comparação com os seus adversários directos, a Renamo e o MDM. Mas em termos qualitativos, podemos notar que este partido vencedor não conseguiu lograr um dos seus objectivo centrais que passava pela ”recuperação” dos municípios que se consideravam de maior destaque.
Ainda no campo meramente dos números, podemos dizer que o partido que tenha obtido maior parte dos municípios, pode julgar-se como aquele que em melhores circunstâncias se encontra para exercer o poder – entendido aqui (de forma simples e generalista) como toda a acção em que o ‘individuo A tem de impor a sua vontade sobre o individuo B’. Esse poder vai existir porque os indivíduos são incapazes de conviver sem uma ordem social que os regule, por essa razão criam-se formas de dominação para regrar as relações humanas – sendo que a política (baseada grandemente nas eleições) vai ser a forma de maior privilégio de manunteção da ordem.
Assim, o mesmo poder só poderá ser exercido porque houve quem através do seu voto consentiu delegar ao agente (eleito). Este acto surge dada a incapacidade em que todos podemos exercer o poder, sendo que escolhemos um individuo ou grupo de indivíduos que em nosso nome possam falar. Porém, nem sempre esta equação é certa, razão pela qual notamos a existência de exemplos em que mesmo eleitos, os seus titulares não encontram capacidade para o exercício deste poder.
Chegados aqui, a questão que nos colocamos é: qual é a qualidade do poder produzido com as eleições do dia 10 de Outubro — o que esperar após os titulares serem empossados?
2. Por conseguinte, cabe-nos sublinhar que o exercício do poder vai, por sua vez, associar-se a legitimidade deste agente (eleito) perante os eleitores. Essa legitimidade vai ser entendida como a capacidade (ou falta dela) que o vencedor deverá ter não só em impor a sua visão sobre o outro, mas também em fazer com este mesmo (outro) possa aceitar tal decisão sem contestação. A aceitação aqui deve ser encontrada apenas quando aquele que é dominado percebe as razões que o fazem aceitar tal condição.
Para concrectizar, os actores políticos deverão ter em mente que todo o exercício do poder adquirido nas urnas deve basear-se não só na dominação, mas também na aceitação. Ganhando com apenas 1% ou 60% de diferença, em nada valerá se este mesmo poder não encontrar aceitabilidade naqueles que devem respeitar as ordens do agente (eleito).
No caso de Moçambique, podemos constatar que por algumas margens que se conferem para os partidos políticos vencedores em alguns municípios, cria-me a sensação de maior interesse para perceber com que legitimidade esses mesmos (partidos) irão exercer o seu poder, não somente perante os cidadãos das suas autarquias, mas também em como criar parcerias governativas no escopo do novo quadro legislativo.
Tal como fizemos no primeiro ponto, colocaríamos a seguinte questão para reflexão: estarão os eleitos em capacidade de exercer o seu poder com legitimidade perante os eleitores e demais cidadãos?
*reflexão inacabada, apenas pistas de análise e hipóteses para debate.