« Embora os jovens sejam demograficamente dominantes, a maioria vê-se a si própria como membros de uma minoria proscrita…» [Sommers, 2015, 3].
É comum dizer-se que maior parte da violência mundial – em espaços públicos ou privados, bem como em conflitos ou guerras – é levada a cabo por homens, muitas vezes jovens. De facto, não parece ser difícil perceber por que razão de forma reiterada vemos surgir debates que procuram avaliar os desafios enfrentados pelos jovens em várias esferas. Provavelmente uma das razões esteja num fenómeno demográfico conhecido como o ‘’inchaço da juventude’’, que significa a existência de uma proporção invulgarmente elevada de jovens numa população adulta, uma realidade que implica a presença de uma situação anormal que pode piorar: uma população jovem ‘’protuberante’’ apta para ‘’explodir’’, sendo que a violência extrema é tida como uma dessas consequências (Honwana, 2012; Sommers, 2015; 2019).
O fenómeno do ‘’inchaço juvenil’’ inspirou cativantes correlações estatísticas. Em geral, elas detalham como a presença de grandes números de jovens em vários países pode levar a resultados inquietantes e talvez devastadores. ‘’As correlações entre elevadas proporções de jovens e os obstáculos ao desenvolvimento alimentam um círculo vicioso de más oportunidades de vida para os esses mesmos jovens”, alertou, por exemplo, o Fundo das Nações Unidas para a População, em 2014. Uma publicação da mesma agência destaca ‘’a correlação global entre as elevadas proporções de jovens na população e o baixo estatuto económico e de desenvolvimento nacional’’ (idem: 9). Outras correlações centram-se na percepção de uma tendência para a violência por parte dos jovens, sendo que tais ideias foram amplamente difundidas por Samuel Huntington (1993) e Robert D. Kaplan (1996, 2000), e continuam a ter ressonância. ‘’As chamadas ‘bolhas juvenis’’’ (Uri Friedman, 2014) ‘’podem alimentar a instabilidade (especialmente quando tantos dos jovens de hoje estão desempregados e economicamente marginalizados)’’.
Contudo, Sommers (2019) observa que a correlação entre a demografia da(s) juventude(S) e a instabilidade política – e a tendência relacionada de ver a(s) juventude(S) masculina(s) como inerentemente perigosa – tem sido posta em causa. (1) A maioria dos países com população jovem em expansão não tiveram grandes conflitos. (1) Muitos desses países que viveram uma guerra não voltaram ao conflito (Sommers, 2011); (2) Há estudos que indicam que grande população jovem nas cidades reduz o risco de distúrbios sociais. Como Urdal e Hoelscher demostraram em alguns países de África, ‘’o crescimento da população jovem dos 15-24 anos está associado a um risco significativamente menor de perturbação social’’ (2009, 17); (3) A presunção comum de que os jovens desempregados provocam tumultos violentos tem sido questionada, uma vez que a ligação é difícil de provar (Cramer, 2010; Izzi, 2013; Walton, 2010). Um estudo do Mercy Corps, por exemplo, ilustrou que os factores de violência juvenil estão directamente ligados a questões de má governação e exclusão, do que ao desemprego (Hummer, 2015).
Associar juventude(S) e o conflito violento extremo pressupõe uma tarefa que parece fácil a partida, mas estamos diante de uma realidade ampla e vaga sem saber de facto o que significa. O que chamamos de juventude(S) pode ser uma faixa etária ou uma fase da vida entre a infância e a vida adulta. A idade relatada dos jovens que entraram em organizações extremistas violentas é variável, mas razoavelmente consistente, parecendo a maioria estar no final da adolescência ou na casa dos 20 anos. No entanto, o desafio de atingir a idade adulta permanece para muitos jovens: até ganharem reconhecimento social como homens e mulheres, podem ser vistos como jovens na casa dos 30 e mais anos. Do mesmo modo, há debates sobre o que constitui um grupo extremista violento.
Em vários países e culturas, ser jovem representa o período de transição da infância para a idade adulta (Sommers, 2015). No entanto, quando as definições culturais de juventude(S) e idade adulta são aplicadas à era actual, surgem problemas graves e significativos. A razão é simultaneamente simples e alarmante: em grande parte do mundo, é cada vez mais difícil obter o reconhecimento social como adulto. Tradicionalmente, há tarefas que devem ser realizadas antes das sociedades atribuírem o título de ‘’homem’’ ou ‘’mulher’’ a um jovem. Eguavoen (2010) enumera as principais tarefas ou expectativas como o casamento, a fundação de uma família, e o apoio à família (pais e filhos) ao longo do tempo.
Como pré-requisito para o casamento, os jovens do sexo masculino nas zonas agrícolas em alguns países do continente Africano podem necessitar de terra para construir uma casa, enquanto os seus homólogos nas zonas urbanas podem necessitar de um rendimento estável e de habitações adequadas para ter uma família (Sommers, 2015). Os ‘jovens machos pastoris’ devem frequentemente fornecer um número negociado de animais como ‘preço’ para ter a noiva. Por exemplo, no Sul do Sudão, o gado é muitas vezes o elemento que figura nas negociações de ‘preço de noiva’. Como explicou um jovem pastoril no Sul do Sudão: ‘’Não se pode casar sem vacas… e não se pode ser chamado homem sem vacas’’ (Sommers & Schwartz, 2011: 4). No mundo exigente de hoje, tais realizações elementares podem ser excepcionalmente difíceis de conseguir. Como observa Eguavoen, ‘’O grupo de pessoas que não se tornam adultos sociais [ou seja, pessoas reconhecidas na sociedade como adultos] devido à pobreza está constantemente a crescer em número, bem como em idade’’ (2010).
Podemos partir da aceitação que a maioria dos jovens é propensa para aderir ao conflito, sobretudo se notarmos que a esmagadora maioria das pessoas que se tornam extremistas violentos são jovens – parte significativa dos quais são homens. Assim, o desafio no centro do conflito violento extremo é, portanto, invulgar: identificar a fracção da população jovem com maior probabilidade de entrar num conflito violento extremo e frustrar essa opção. Por exemplo, quando se faz um trabalho com ex-combatentes, mulheres, homens e jovens afectados por conflitos em várias partes do mundo, temos visto noções preconcebidas sobre quem são os jovens que os empurram frequentemente para a violência.
Historicamente, os decisores políticos, os adultos e as agências internacionais vêem frequentemente os jovens como vítimas indefesas ou como problemas à espera de acontecer. Em qualquer destas representações simplistas, despojamos os jovens da sua humanidade e complexidade, e depois implementamos com demasiada frequência políticas e programas mal orientados. Na verdade, nas nossas representações simplistas sobre os jovens, por vezes inadvertidamente alimentamos a ocorrência da própria violência que esperamos prevenir. Sommers (2019) vai notar que as respostas dos governos aos seus próprios jovens são geralmente pouco impressionantes: (1) a dissensão pacífica é frequente e severamente constrangida ou proibida; (2) as oportunidades de emprego fora dos sectores económicos informais tendem a ser escassas; (3) a oferta de educação é frequentemente insuficiente (particularmente depois da escola primária); (4) os serviços e alojamento para a população em expansão de jovens migrantes urbanos são rotineiramente inadequados; (5) as oportunidades políticas para os jovens podem não passar de uma filiação em partidos subordinados; e (5) estatuto social da(s) juventude(S) (já referido anteriormente) é ténue e frequentemente embaraçoso.
Se quisermos olhar para o tecido demográfico, podemos verificar que a maioria dos jovens, mesmo em sociedades profundamente conflituosas, não se juntam a grupos extremistas. No entanto, a maioria dos que se juntam a grupos extremistas são jovens, e geralmente jovens do sexo masculino. A violência extremista prospera na nossa ignorância sobre a vida dos jovens e sobre as suas vozes e aspirações, bem como na nossa falta de compreensão sobre como normas rígidas de género moldam as suas identidades. Assim, hipoteticamente, as soluções para a violência extrema ou violência juvenil de qualquer tipo, só serão encontradas quando ouvirmos e compreendemos de que juventude(S) estamos a falar, o que não se mostra tarefa fácil. Provavelmente quando deixarmos a(s) juventude(S) conduzir(em) suas próprias soluções, e quando simultaneamente apoiarmos as jovens mulheres e os jovens homens a encontrar a empatia, a ligação, e as identidades pacíficas pelas quais anseiam.
Depois do referido acima, algumas questões nos parecem centrais para o debate: (1) o que, precisamente, exclui ou marginaliza um jovem nos locais onde ocorre a violência extrema? ; (2) quem se preocupa com a(s) juventude(S), e quem é que a(s) juventude(S) venera? ; (3) o que significa ‘’comunidade’’ para os jovens, e a que comunidades pertencem? ; (4) qual é a sua opinião e o seu envolvimento com os líderes locais, agentes da polícia e funcionários do governo? ; (5) o Estado ou outras forças estão a dirigir a violência e a ameaçar o seu caminho? ; (6) como é que o Islão (ou outras crenças religiosas) figura na sua vida e nas suas ideias? ; (7) quais são as suas perspectivas de vida? ; (8) como é que as questões de classe e género esculpem os seus pontos de vista e planos futuros? ; (9) que razões empregam os jovens para resistir ao envolvimento na violência e no extremismo? ; (10) finalmente, talvez a questão mais importante de todas: como é que os jovens ganham aceitação social como adultos – e o que acontece se falharem?
Um debate por continuar…
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Referências centrais:
Sommers, M. (2015). The outcast majority: War, development, and youth in Africa. Athens, GA: University of Georgia Press.
Honwana, A. (2012). The time of youth: Work, social change, and politics in Africa. Sterling, VA: Kumarian Press.
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