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Extroversão e ‘apoio internacional’ em Moçambique

Não constitui nenhum dado novo a pública e manifesta disponibilidade anunciada, por diversas entidades, sobre provável apoio ao país no combate aos terroristas em Cabo Delgado, embora o aparente silêncio por parte de alguns países geograficamente próximos de Moçambique. Igualmente podemos destacar os apoios financeiros anunciados pelo FMI e pela União Europeia face à COVID-19. No presente texto procuraremos discutir pistas de análise para leitura do(s) significado(s) dos apoios acima referidos, cada um num prisma diferente. Para o efeito, optaremos por traçar, de forma breve, o percurso histórico da democratização em África, conjugado com a variável económica baseada nos apoios internacionais (doadores), embora este tipo de análise não encontre consensos (Bayart, 2000).

Na vasta literatura sobre a matéria, Peiffer (2006) mostra-nos que ao procurar manter seu poder, os governos africanos confiam em estratégias de “extraversion” (não encontro melhor forma para tradução, mas podemos assumir como extroversão?), convertendo as suas relações na dependência com o mundo externo (Cheeseman, 2019). Ademais, os países africanos variam no seu escopo de extrOversão, ou na dimensão da sua relação com actores externos, sendo que essas variações correspondem tanto a diferentes graus de vulnerabilidade às demandas de doadores estrangeiros quanto a diferentes preferências dos próprios doadores.

As dimensões de extroversão facilmente identificáveis podem ser o alinhamento com um patrono internacional, a dependência de ajuda externa em troca da adopção de políticas recomendadas pelos doadores (sobretudo no sector da saúde) e a participação no comércio internacional como produtor primário de commodities. A diversificação do escopo de extroversão tornou-se particularmente importante no final da Guerra Fria, quando vários países perderam seu patrono soviético, e os Estados Unidos e alguns doadores europeus deixaram o apoio de aliados na região e começaram a exigir a democratização. Os países que dependiam do patrocínio da Guerra Fria ou tinham crescido dependentes da ajuda internacional sobre outras fontes de autoridade doméstica, tornaram-se cada vez mais vulneráveis às demandas dos doadores. Aqueles com maior progressão, como a detenção de recursos naturais, eram amplamente imunes às mudanças prevalecentes e mais capazes de resistir às pressões pela liberalização.

Historicamente, em Moçambique a condicionalidade dos doadores pode ter aumentado, em vez de diminuir após a transição inicial (fim da guerra civil – realização das primeiras eleições gerais). Como o país se democratizou em resultado do seu processo de paz, os doadores possivelmente foram inicialmente menos exigentes e se tornaram mais condicionais em questões de governação após as eleições iniciais, o que pode ter contribuído para manter a Frelimo comprometida com diversas reformas realizadas após 1994. A Frelimo tem vencido constantemente as eleições e nunca perdeu o poder (ou a guerra), o que em parte mostra-nos que a democratização não apenas ajudou a pôr fim à guerra, mas também reforçou o domínio territorial da Frelimo e o seu poder sobre seu oponente doméstico, a Renamo, ao mesmo tempo em que desencadeou fluxos de ajuda muito significativos numa economia com poucos recursos, onde em tempos mais de 40% do orçamento provinha de apoio externo – financiado por doadores. Nisto pode claramente notar-se que a Frelimo reforçou seu monopólio do poder na era democrática.

Porém, verifica-se que em algumas latitudes os países doadores estão cada vez mais divididos entre o desejo de promover a democracia e o interesse pela estabilidade política, incluindo a contenção de supostas ameaças terroristas, sendo que nesse caso a ‘guerra ao terror’ pode se tornar um objecto de extroversão. A esse respeito, o surgimento da agenda anti-terrorista após 2001 ofereceu a algumas elites africanas (principalmente da região do Sahel e de países com larga população muçulmana) um novo local para a extroversão, o que reduziu o apelo e a necessidade de democratização. Noutro prisma, podemos dar o exemplo de Uganda, onde os doadores geralmente ignoram o sistema político vigente por conta do crescimento económico do país, sucesso no combate ao HIV/SIDA e apoio do governo na “guerra ao terror”.

Explicado acima, fica-nos a hipótese que entre proteger os ditames da democracia que é geralmente defendida pelos países doadores (na sua maioria do chamado Ocidente), vai assistir-se nos próximos tempos a resolução de apenas uma equação: eliminar focos de insegurança (sanitária e extremista) para proteger interesses económicos e manter a governação vigente, o que entendemos ser mais um prolongar da extroversão que Moçambique pratica desde que tornou-se independente através do constante apoio económico e financeiro que recebeu, embora os últimos anos tenham mostrado algum abrandamento consequente do contexto já conhecido. Nisto poderão juntar-se apoios subsequentes para a realização regular de eleições, o que não significa necessariamente existência de interesse ou preocupação dos doadores necessariamente na democratização de Moçambique.

Referências

Bayart, J-F. et al., Africa in the World: A History of Extraversion, African Affairs, 99/395, 2000, 217267.

Cheeseman, N. et al., A Dictionary of African Politics, Oxford University Press, 2019.

Peiffer, C. et al., Extraversion, vulnerability to donors, and political liberalization in Africa, African Affairs, 111/444, 2006, 355–378.

“extroversão”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [on-line], 2008-2020 [consultado em 29-04-2020].