AMUSI #3

Eleições enquanto (in)certeza

Desde cedo, as eleições constituíram a premissa base de debate e estudos em ciência política. O “acto do voto” foi tido como fundamental para o exercício do poder através da submissão e da dominação. Entre outras variáveis, a incerteza constitui elemento fundamental para o estabelecimento de um “jogo eleitoral” em que os concorrentes possam competir em iguais circunstâncias, mesmo que tal não seja de todo desejável ou alcançável quando se pretende buscar o poder. Como aponta Przeworski (1984: 84), as posições assumidas pelos distintos actores políticos não podem determinar “os resultados do processo político”, de tal sorte que “numa democracia ninguém pode ter a certeza de que seus interesses serão vencedores em última instância”. Em uma democracia, portanto, “todos devem submeter seus interesses à competição e à incerteza”.

Conscientes da nossa própria limitação, somos susceptíveis de omitir outras dimensões de análise. Assim, a partir deste comentário pretendemos sugerir alguma explicação em torno do recente processo eleitoral, exercício a ser feito em dois ângulos que devem ser lidos como complementares:

  1. Sobre os actores do processo

Numa eleição podem existir vários actores, sendo que os primeiros e fundamentais são os que directamente participam na qualidade de eleitos e eleitores. Nestes podemos adicionar os órgãos de administração e gestão eleitoral (OAGE: STAE & CNE), os quais são fundamentais para a organização de todo o processo, que em termos de ciclo não se circunscreve ao momento e dia da eleição em si. Do que sobre as eleições de 15 de Outubro se pode extrair, verificou-se o que chamamos de “confiança nua” entre os três actores acima mencionados: OAGE, eleitores e eleitos, estes últimos identificados como candidatos e partidos políticos. Notou-se e continua a registar-se tamanha insegurança sobre o que cada actor deve fazer para garantir a incerteza eleitoral (o debate em torno dos 300 metros foi disso um exemplo). Enquanto os eleitores depositam pouca esperança em quem votam, os eleitos pouca ou nenhuma confiança encontram em quem deve organizar o processo. Os partidos não conseguem cumprir a função de limitar as escolhas do eleitorado, deixando-os assim numa situação de total e completa discotecagem no mercado eleitoral.

Embora não se conheçam os dados da participação eleitoral na sua globalidade, podemos avançar com a hipótese segundo a qual o crescente descrédito que existe entre os eleitores e eleitos deve-se ao vazio de propostas que se verifica nos políticos na sua globalidade, sendo que os moçambicanos não são excepção. De forma cada vez crescente, emergem “novas” formas de participação política que já não encontram acomodação na “política usual” que é exercida dentro dos partidos políticos tal e qual conhecemos e por meio do voto.

No que toca aos OAGE excluímos desta análise as propostas que se colocam sobre a reforma que se deve exercer, pois pensamos que não será possível encontrar modelo adequado se antes não soubermos o que realmente se busca numa eleição: a incerteza sobre o(s) vencedor(es). Pensamos que nenhum modelo será eficaz se não conseguir garantir que os vencedores não sejam conhecidos antes da realização do próprio escrutínio. Entendemos ainda que os OAGE não são um corpo estranho ao processo em si, eles emergem e se constituem a partir do próprio sistema, sendo que a sua análise deve ser vista como um todo holístico. In fine, não nos parece que o debate central se coloque ao nível do actual modelo dos OAGE.

  1. Sobre a resistência à mudança

Para explicar a nossa segunda hipótese nos vamos apoiar aos estudos feitos no campo da administração pública quando abordamos as possíveis razões da resistência à mudança dentro de uma organização. Assim, podemos sublinhar que o processo de mudança envolve a combinação de vários factores, sejam internos ou externos, decorrendo de forma individual ou colectiva nas organizações, o que vai desde alterações na tecnologia, implantação de programas de qualidade, mudanças na gestão, fusão, alterações nas leis por meio do governo, alterações de máquinas, o que exige adaptações, mudanças de atitude e de comportamentos por parte dos funcionários tanto da base como do topo. As fontes de resistência individuais à mudança residem nas características humanas básicas, como percepção, personalidades e necessidades.

A resistência à mudança começa sob certas condições: falta de clareza (os indivíduos reagem quando recebem uma informação incompleta sobre modificações que as afectarão); percepções diferentes sobre o motivo da mudança (a tendência é ver apenas aquilo que se espera ver); pressão de forças contraditórias (surge na comunicação entre os líderes e os gerentes quando o funcionário é pressionado a incorporar novos padrões em pouco tempo e estes novos padrões não estão suficientemente claros); hábito, segurança, factores económicos (medo de redução dos rendimentos); medo do desconhecido e processamento selectivo de informação (os indivíduos passam a processar selectivamente as informações para manter suas percepções intactas, elas ouvem só o que querem ouvir).

Colocadas as premissas acima, podemos tomar os partidos e candidatos concorrentes como organizações onde os eleitores são seus funcionários. Nessa mesma organização, antes das eleições gerais de 2019 o gestor chamava-se Frelimo (e seu candidato presidencial), sendo que a cada cinco anos se deve renovar o mandato, e dessa vez chegou-nos como proposta os partidos Renamo, MDM e AMSUI (e seus candidatos). Sobre as propostas pensamos ser necessário colocar as seguintes questões, as quais não temos respostas: estariam os funcionários (eleitores) dispostos a exercer a mudança? que garantias eram colocadas para que os funcionários (eleitores) pudessem exercer tal mudança? com que intensidade e clareza os funcionários (eleitores) receberam informação capaz de os levar a exercer alguma mudança? seria, portanto, a mudança desejável ou oportuna?

Concluímos que a presente eleição foi uma oportunidade que permitiu levantar mais questões do que respostas que em momento oportuno merecerão estudos aprofundados. Por hora levanta-se a necessidade de repensarmos a estratégia de como exercemos a actividade política em Moçambique, a mesma que não deve se circunscrever apenas ao momento eleitoral per si. Com o advento da multiplicação de espaços e práticas de participação política (para além do voto), exige-se maior dinamismo aos actores da cena política, sendo que a propaganda eleitoral é chamada como fundamental para além dos quarenta e três dias de campanha eleitoral oficialmente estabelecidos no país, sob pena de esperar colher um determinado feedback a partir de uma demanda incorrecta.