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Ciência(s), desenvolvimento, jovens e outras questões

A ciência, assim como o desenvolvimento, são dois campos cuja definição não se mostra tarefa fácil, sendo que ambos estão revestidos de contradição ou falta de consenso teórico. Historicamente, ao abordar sobre o desenvolvimento faz-se referência primária para o campo económico, sobretudo em oposição ao crescimento quantitativo de um determinado país.

Relativamente ao termo “ciência”, Fontaine (2008)[1] sublinha que é emprestado do latim scientia, significando “conhecimento” em sentido amplo, ou ainda “conhecimento científico”, e tendo em conta os tempos clássicos o significado da episteme grega – “conhecimento teórico”. Assim, ciência designaria primeiro um know-how obtido pelo conhecimento agregado à habilidade, para então denotar, posteriormente, o conhecimento adquirido em um objecto de estudo detalhadamente definido. A ciência, tanto do ponto de vista teórico como teológico, designará cada vez mais um conhecimento perfeito, preciso, rigoroso e mais preocupado com o formalismo (este formalismo que lhe será conferido, nos tempos modernos, pelo uso generalizado da ferramenta matemática que permite equacionar métodos de pesquisa e resultados).

Embora sem consenso, podemos afirmar que no sentido mais amplo, a discussão sobre ciência é agregada numa tipologia onde temos (1) ciências naturais (física, química, ciências da vida, do universo e da saúde); (2) ciências tecnológicas (comunicação e electrónica, sobretudo); (3) ciências humanas e sociais (economia, sociologia, ciência política, antropologia, história, geografia, psicologia, entre outras) ou ainda (4) ciências exactas (matemática, por exemplo). Segundo Chatelin (1986)[2], ciência e desenvolvimento definem uma questão que parece bastante clara. Para o autor, existe uma ideia amplamente aceite de que o próprio desenvolvimento deve ser acompanhado e apoiado pelo progresso científico, embora alguns posicionamentos discordantes às vezes sejam ouvidos. De facto, Chatelin (idem) avança que existe quem afirme que a pesquisa baseada nas humanidades é completamente inútil em países sem desenvolvimento avançado, dado que as necessidades são outras. Embora recorrente, consideramos que tal proposição constitui um exercício teórico equivocado, pois está desprovida de uma convicção real. Para nós, não se pode equiparar a(s) ciência(s) em função do seu peso ou falta dele.

Nos últimos anos, o debate entre ciência e desenvolvimento foi substituído pela necessidade de ‘’saber fazer’’[3] e realização de uma ocupação profissional, sobretudo por parte de uma franja populacional considerada jovem em países como Moçambique[4]. As idades entre 14 e 20 anos podem ser consideradas de auto-descoberta, exploração de habilidades e busca de um lugar na sociedade, sendo que é justamente ao longo dessa idade que se cristaliza uma maior capacidade crítica em relação às regras sociais e familiares estabelecidas e a outras coisas que, mais ou menos, simplesmente eram aceites sem questionamento. Em suma, é uma idade biológica desafiadora para muitos pais e professores, sobretudo quando seus filhos e alunos questionam sua “sabedoria” e começam a encontrar respostas para os problemas que eles acham que seus pais não podem resolver adequadamente[5]. Da mesma forma, a ciência explora o mundo além das limitações actuais do conhecimento, desafia a “sabedoria” e se propõe a encontrar respostas.

Atrair os jovens para a pesquisa científica também se tornou um tópico de crescente importância do ponto de vista da ciência. Por exemplo, nota-se que cientistas, economistas e políticos em países como Estados Unidos da América vêm lamentando o número decrescente de estudantes que escolhem uma carreira nas ciências naturais e exactas. A preocupação é com a diminuição de potenciais cientistas e engenheiros, o que poderia dificultar o crescimento de indústrias de alta tecnologia, particularmente biotecnologia e tecnologia da informação. A questão de tornar a ciência e a pesquisa atraentes para os jovens gerou muitos debates sobre o futuro da pesquisa em si, bem como das tecnologias relacionadas (Mervis, 2003[6]; Moore, 2002[7]).

Se tomarmos a nossa introdução sobre a definição de desenvolvimento e aplicar ao contexto moçambicano, provavelmente não seja possível captar a real sensibilidade sobre o contributo que existe para a ciência. Com a noção de liberdade acoplada ao desenvolvimento, fica-nos como questão compreender de que forma o desenvolvimento pode ser relacionado com a(s) ciência(s). Porém, as advertências actuais para a ciência são numerosas. Sabemos, em primeiro lugar, que a ciência não leva necessariamente ao desenvolvimento, que o tempo de resposta pode ser longo, que apenas parte da ciência pode se tornar útil. Sabemos ainda que as aplicações da ciência nem sempre são boas, a manipulação genética, por exemplo, é assustadora.

No caso de Moçambique, verifica-se a tendência de uma aposta baseada na ciência enquanto técnica e prática, dentro de um prisma que pretende, de forma urgente, capacitar uma franja populacional ávida em busca de sustento para alívio de pobreza que, tal como vista por Amartya Sen (2001)[8], é um empecilho para o desenvolvimento como liberdade. O tripé sobre jovens, ciência(s) e desenvolvimento em Moçambique é limitado pelo facto de existir uma preocupação que toma a ciência enquanto um escopo técnico e prático, sem promover áreas que possibilitem abordar a própria ciência por via de outras lentes, ou seja, ciência no plural. Por um lado, a criação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, e consequentemente do Fundo Nacional de Investigação (FNI), são disso um exemplo eminentemente de aposta técnica, sobretudo quando o FNI se define como tendo a missão de ‘’(…) promover a divulgação do conhecimento científico, a investigação científica, a inovação tecnológica e a formação de investigadores, contribuindo para o desenvolvimento sócio-económico de Moçambique’’[9].

Por outro lado, podemos tomar como exemplo a criação da Secretária de Estado da Juventude e Emprego, que toma a ciência como possibilitadora do desenvolvimento de capacidades de uma franja da população, cuja necessidade laboral é premente – o que é feito através do ‘’empreendedorismo’’, formação e capacitação técnico-profissional. Dessa forma, pensamos que a abordagem sobre jovens, ciência e desenvolvimento deve ser feita tendo em conta a existência de outras janelas em que a própria ciência pode ser aplicada, embora se reconheça a necessidade de prover empregabilidade para esses mesmos jovens que enfrentam problemas de variada ordem. Entendemos, por fim, que Moçambique padece de um dilema que pode ser resumido na incapacidade em promover a ciência para além do suprimento das necessidades dos jovens, razão pela qual questiona-se sobre como estabelecer o equilíbrio entre a necessidade de sobrevivência (sobretudo dos jovens), sem excluir a aposta na(s) ciência(s)?

*Este texto foi revisto/adaptado de uma comunicação proferida em 12 de Agosto de 2020, por ocasião do Dia Internacional da Juventude, em resposta ao convite da APDS – Academia de Pesquisa & Desenvolvimento Sustentável.

[1] Fontaine, P. (2008), Qu’est-ce que la science ? De la philosophie à la science : les origines de la rationalité moderne, Recherche en soins infirmiers, 92(1).

[2] Chatelin, Y. (1986), La science et le développement. L’Histoire peut-elle recommencer ?, In: Tiers-Monde, tome 27(105).

[3] Do francês savoir-faire ou do inglês know-how, designa um conjunto de conhecimentos, aptidões e técnicas adquiridos por alguém ou por um grupo, geralmente através da experiência, competência na execução de certas tarefas práticas e em determinadas actividades artísticas ou intelectuais.

[4] Não existe uma única definição sobre quem pode ser considerado jovem. Porém, a média de idade em Moçambique está fixada nos 16 anos, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE, 2019).

[5] Ver mais em Csermely, P. (2003), Recruiting the younger generation to science, EMBO reports, 4.

[6] Mervis, J. (2003), Down for the count?, Science, 300.

[7] Moore, A. (2002), What you don’t learn at the bench, EMBO reports, 3.

[8] Sen, A. (2001), Development as Freedom, OUP Oxford, new edition.

[9] Fundo Nacional de Investigação (FNI) – https://fni.gov.mz/sobre-fni/ – é uma instituição que se define como promotora da pesquisa científica, tendo como base a inovação tecnológica em Moçambique.