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Entre o terrorismo, a propaganda, a desinformação e as redes sociais da Internet

No passado dia 25 de Novembro vimos o Chefe de Estado expressar-se em público contra quem produz e difunde notícias que considera falsas sobre o terrorismo em Cabo Delgado. Se aceitamos que enquanto Presidente da República deve ser o primeiro a defender sempre a verdade, tal fala, passível de múltiplas interpretações, pode ter vindo turvar um ambiente já difícil no qual jornalistas em particular, e moçambicanos no geral, estão ávidos em saber o que se passa em Cabo Delgado. Na verdade, a gestão de informação em face do terrorismo não é um debate consensual. Aliás, não há dúvidas que vezes sem conta as redes sociais da Internet são (e já foram) usadas para desinformar.

Recentemente, em sede do livro do EISA (Democracia Multipartidária em Moçambique, 2020, pp. 299), tentamos reflectir sobre os contornos que as redes sociais da Internet podem ter em actos que promovam a radicalização violenta. Se por um lado postulamos que tais plataformas digitais promovem a ‘propaganda’ terrorista, referimos que é pouco claro que as mesmas estejam na base de recrutamento de jovens, por exemplo, dado que nos faltam elementos para tal conclusão. Notamos, porém, que os espaços virtuais são usados não só para a promoção da desinformação (fake news e deepe fake), mas igualmente permitem-nos conhecer as atrocidades que aos olhos da tradicional televisão não se saberia, sendo que exemplos bastantes existem para tal demonstração.

Mas isto não é novo, muito menos particular para o caso de Moçambique. Aliás, importa referir que com regular frequência, alguns Estados têm usado o argumento do ‘’terrorismo’’ para silenciar os meios de comunicação social e colocar os jornalistas sob sua vigilância. Também abusaram do termo para incriminar e criminalizar opiniões ou acções legítimas. O público também agiu como um censor, criticando os meios de comunicação social que lhes pareceu estarem demasiado afastados da linha oficial ou serem demasiado ‘’compreensivos’’ em relação ao ‘’campo adversário’’. Ademais, verifica-se claramente que grupos terroristas estão a produzir os seus próprios vídeos e a gerir as suas próprias narrativas, falando directamente ao público, sem a filtragem ou mediação de jornalistas – há quem prefira de chamar tal acção de ‘’ciber-terrorismo’’.

É preciso não esquecer que um dos objectivos do terrorismo é criar medo e angústia, o que pode, por sua vez, levar os cidadãos a pedir a adopção de medidas autoritárias e a colocar a culpa colectiva de um ataque a uma comunidade específica (ou um colectivo de profissionais, nesse caso os media). Não parece constituir novidade admitir que o terrorismo tenta expor ‘’a hipocrisia das democracias’’ e polarizar as sociedades, sendo que o medo é uma das emoções mais fortes e viscerais que existe, e pode levar as pessoas, de outra forma, abertas e tolerantes, ao caminho do preconceito e da discriminação.

Em face disto, parece ficar claro que o desafio para os meios de comunicação social é amplo. O terrorismo é um assunto que envolve uma cascata de decisões concretas e frequentemente muito pesadas, incluindo a vida dos reféns, a capacidade de intervenção das forças de segurança, a legitimidade de um governo, e mesmo a sobrevivência do sistema político. Embora as regras clássicas da prática jornalística ainda possam ser impostas, elas assumem uma dimensão mais grave devido à violência envolvida e aos riscos para a ética jornalística. No entanto, apesar da sua violência, o terrorismo (e os políticos) não pode(m) asfixiar os meios de comunicação social. Pelo contrário. Nestes momentos de tensão e ansiedade, uma informação livre e pluralista é essencial para iluminar o julgamento do público. Quando a segurança da população é directamente visada, os meios de comunicação social devem proteger tanto a população como a democracia, exercendo o seu direito e dever de informar – aquilo que alguns preferem chamar ‘’mediacracia’’ –, os media como vectores e promotores da ‘’democracia’’.

Em fecho, talvez fosse importante sublinhar que o MISA Moçambique lançou, recentemente, uma iniciativa que nos parece oportuna ao debate. Chama-se MISAChech, uma plataforma que associada ao consórcio MOZChech, funciona como ‘verificador’ de informação, baseando-se em fontes diversas, uma prática amplamente já difundida em outros quadrantes.