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Engajamento político e redes sociais da Internet em Moçambique: propostas para início de debate?*

Podemos iniciar o presente ensaio colocando a hipótese segundo a qual a internet tem estado a mudar a forma como nos comunicamos na sociedade. Essa dinâmica possibilita o surgimento de novas e efervescentes formas de intervenção dos cidadãos na esfera pública, para além do tradicional mecanismo de participação através do voto. De facto, em vários países de África, tais como África do Sul, Nigéria e Quénia, é notório que a internet e, por conseguinte, as redes sociais têm permitido a promoção de fóruns e iniciativas que vão desde a realização de manifestações, emissão de opinião por intermédio de plataformas digitais, sondagens de opinião, bem como a realização de petições ou mesmo de ocupações – boicotes.

Moçambique, não sendo uma ilha, não escapou à realidade acima descrita, pois constatamos que nos últimos anos crescem diferentes iniciativas que tendem a promover acções de engajamento político dos cidadãos (na sua maioria jovens presentes nos grandes centros urbanos – Movimento Activista Moçambique, Txeka/Olho do Cidadão, entre outros), pese essa tendência esbarre na existência de uma estrutura de governação que é mera disseminadora de informação e provedora de serviços – sem espaço para um diálogo que possibilite a interacção com os governados e o retorno (feedback).

Neste texto podemos entender por engajamento político como “(…) toda a actividade realizada por cidadãos de forma privada ou colectiva, cujo objectivo visa influenciar a selecção dos governantes políticos e/ou as acções que tomam’’ (Verba e Nie, 1972:2). Contudo, alguns estudos nos mostram que não é somente de aspectos positivos que são feitas as redes sociais da Internet, pois prevalecem críticas sobre a real capacidade destas serem um espaço que possibilite o engajamento dos cidadãos (ver, por exemplo Evgeny Morozov – The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom, 2012). Mesmo reconhecendo essa realidade, o presente ensaio opinativo pretende discutir as possibilidades do engajamento político na era das redes sociais em Moçambique, através de dois elementos basilares, nomeadamente: a motivação e a socialização políticas.

  1. Entendemos que numa era em que, nas chamadas ‘’democracias eleitorais’’, cresce o descrédito sobre o modelo de participação tradicional, a motivação para aderir aos processos políticos por intermédio do voto mostra-se como aquela em que tende a registar menores índices. Por exemplo, em Moçambique a abstenção passou de 13% em 1994 para 52,6% em 2014 (dados das eleições gerais). Porém, apesar do incremento participativo nas recentes eleições (60,1%), não nos é permissível concluir que essa tendência deveu-se às redes sociais da Internet, mesmo que se tenha constatado a extensão e promoção do modelo de participação através do voto, uma vez que regularmente as redes sociais foram usadas exactamente para mobilizar os cidadãos para as eleições, facto verificado com a partilha de mensagens e apelos que procuravam mobilizar os cidadãos (na sua maioria jovens) para a sua participação nas recentes eleições em Moçambique, o que por extensão se viu também nos principais partidos concorrentes que agigantaram a sua presença nas redes sociais, uns com maior visibilidade propagandística do que os outros.
  2. Por conseguinte, facto constatado através da nossa presença na qualidade de observadores em diferentes espaços de interacção nas redes sociais da Internet nos faz afirmar, com a devida reserva, que nem todos os cidadãos moçambicanos possuem igual socialização política para participarem em processos de tomada de decisão e mobilização políticas. Aliás, os que se interessam por questões de governação constituem, na sua maioria, um nicho localizado de cidadãos que teve antes alguma forma de acção política no espaço offline, seja em organizações juvenis ou estudantis. Essa realidade nos faz pensar que para o caso de Moçambique as redes sociais da Internet ainda representam uma desigualdade de oportunidades para serem tomadas como genéricas, dada a sua incipiente abrangência social e geográfica no país – podendo assim ser causadoras da divisão digital. Ademais, a inexistência de dados desagregados (idade, região e género) sobre os usuários da Internet no país, torna a nossa tarefa sensível em abordar este tópico aliado ao facto da mesma Internet ser de acesso oneroso e qualitativamente baixa para os usuários.

Colocados os dois pressupostos acima, não pretendemos de todo afirmar que as redes sociais da Internet não sejam modeladoras de engajamento político em Moçambique, pelo contrário, entendemos que elas possuem um potencial participativo que vai merecer atenção nos próximos tempos, sobretudo para as eleições gerais de 2019. Porém, ficou evidente que faltam-nos dados aprimorados para estabelecer uma relação entre as redes sociais e o/a aumento/diminuição do engajamento político no país, embora não excluamos a ocorrência de uma ‘’onda cívica on-line’’ que não poderá ser travada no país, facto que os actores políticos já tomaram como consciência.

*Texto publicado no Jornal SAVANA, edição do dia 23 de Novembro 2018.